A atual crise sem precedentes nos últimos 100 anos provocada pela pandemia de covid-19 exige gestão eficiente, profissional, competente e com líderes públicos experientes, para lidar com as dificuldades administrativas e financeiras das cidades. Ou seja, não é para amadores fazer com que os municípios passem bem pelo atual momento e também retomem com o desenvolvimento necessário o pós-pandemia.
Nessa entrevista, o secretário-executivo da FNP (Frente Nacional de Prefeitos), Gilberto Perre, fala sobre os desafios dos atuais chefes de Executivo, que lideram as ações de enfrentamento, combate à disseminação e tratamento do coronavírus. Um momento complexo, que requer o melhor dos prefeitos, diante de um cenário em que o governo federal se mostra atrapalhado e que não há perspectiva de quando terminará. As prefeituras passam por situação delicada, com queda na arrecadação, ao mesmo tempo em que os gastos com Saúde e amparo social para a população aumentam.
Perre cita a gestão do prefeito José Auricchio Júnior (PSDB), de São Caetano, como exemplo positivo. Os dois primeiros anos de mandato, em 2017 e 2018, serviram para ajustes administrativos e econômicos, que deram a capacidade de investimentos em obras e projetos em 2019, um ano muito produtivo para a cidade. Com a crise atual, Auricchio determinou o contingenciamento de 11,5% do orçamento, valor que chega na casa dos R$ 130 milhões, que é a previsão de perdas de receitas para este ano. Além das centenas de medidas emergenciais, todos os serviços públicos essenciais da cidade continuam sendo realizados normalmente. Confira os principais trechos da entrevista com Gilberto Perre, que foi secretário de Finanças da Prefeitura de São Carlos-SP:
O que os gestores públicos podem fazer para manter a estabilidade pós-pandemia?
Especialmente em cidades médias e grandes, a situação está comprometida. Dependem de ISS e ICMS, e esses dois tributos têm trajetória de queda acentuada, uma vez que a atividade comercial despenca. Por um lado, a arrecadação será pior em 2020 se comparado com 2019. E pelo lado da despesa, será maior em alguns casos. Dois fenômenos que pressionam: o número de infectados nessas cidades proporcionalmente é maior; e por ter redes de alta e média complexidades melhores, acolhem cidadãos de outros municípios e, consequentemente, geram mais gastos.
Municípios menores não têm grande gama de empresas e indústrias e a forma de arrecadação é concentrada em alguns setores. Como ficam essas cidades?
Grosso modo, nessas cidades o FPM (Fundo de Participação dos Municípios) tem grande impacto, pois se arrecada mais por IR (Imposto de Renda) e IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). A partir de legislação da década de 1960, os valores repassados em termos per capita são mais generosos para os menos populosos. Porém, a primeira medida do governo federal ao ajudar os entes federativos foi um fundo de R$ 16 bilhões para equilibrar pelos próximos quatro meses aos níveis de 2019. Mas não significa que estão com a situação totalmente resolvida. Muitas delas também fizeram o dever de casa e têm arrecadação de ISS e ICMS importantes.
Mais do que nunca está sendo desafiada a capacidade de gestão dos atuais prefeitos? Vale lembrar que as consequências seguem nos próximos anos.
A respeito do ambiente político, os municípios não emitem moeda, não emitem títulos. Financiam-se por receitas ordinárias, por transferências estadual e federal e recursos próprios. Quando a boa gestão está colocada, como é o caso de São Caetano, é buscar operações de crédito com juros atrativos e boa carência, o que garante investimentos na cidade (o que estava sendo feito desde 2019). Se essa estrutura de receita e despesa está severamente desequilibrada, não há outra alternativa senão o governo federal injetar dinheiro nas cidades. Foi o que fez os EUA, com pacote trilionário, para grandes e médias cidades. No Brasil, foi feito o inverso. O governo federal deu atenção prioritária às cidades menores, enquanto as receitas das grandes e médias cidades derretiam. Óbvio que as pequenas também precisam de socorro. Mas o ABC está com a indústria automobilística parada. Evidentemente que a ajuda tem de vir de Brasília.
Podemos falar em colapso financeiro, pagamento de funcionários e de serviços públicos até o fim do ano?
Um alento é que o Congresso Nacional aprovou pacote importante de ajuda, mas não resolve tudo. É preciso compensar os municípios. É momento de guerra. Tem de ter objetividade na hora do socorro. É um País heterogêneo e tem muita coisa para ser consertada. Mas esse não é o momento de medidas estruturantes, é o momento de medidas emergenciais.